Reportagem Victoria Tuler
Em 2012, a italiana Melissa Panarello, então com 18 anos, chamou atenção do público com o polêmico Cem Escovadas Antes de Ir para a Cama; Anne Frank, num caso atípico, teve seu diário publicado postumamente em 1947; A inglesa Mary Shelley, autora do célebre Frankenstein, concluiu o clássico da ficção científica quando tinha apenas 19 anos. Apesar de ser possível enumerar alguns exemplos, encontrar jovens autoras com carreiras bem sucedidas não é uma tarefa fácil. Afinal, escritoras adolescentes estão em duas categorias minoritárias no cenário literário nacional: mulheres e menores de 20 anos.
Uma pesquisa recente feita pela Universidade de Brasília (UnB) revelou que o escritor brasileiro contemporâneo médio é homem, branco, de meia idade, com ensino superior completo e morador do eixo Rio-São Paulo. Inspiradas por autores consagrados e usando a internet como ferramenta, garotas cada vez mais jovens têm lutado para abrir portas e conquistar seu espaço nas prateleiras das livrarias – e estão conseguindo.
Eduarda Kiame, autora da trilogia "Elfos Urbanos" (Foto: divulgação) |
Jovens autoras
A universitária Eduarda Kiame, 18, é fã de literatura fantástica desde criança. Aos 13 anos, escreveu a história de Anna, uma garota meio-elfa. Assim nascia A Escolha, primeiro volume da trilogia Elfos Urbanos, que seria publicado um ano depois. A continuação da saga, entitulada A Traição, chegou ás lojas em 2010, quando a autora ainda estava no ensino médio. Eduarda explica que parte da influência para começar sua carreira precocemente veio de suas obras e autores favoritos, mas os acontecimentos marcantes da adolescência também foram grandes motivações: “A minha inspiração não vem só da literatura ou das artes. As coisas do cotidiano trazem fatos novos para meus livros”.
A experiência pessoal também é o motor das irmãs Mônica e Monique Sperandio, 20. As gêmeas curitibanas, que estudam Letras na Universidade Federal do Paraná, já assinaram quatro romances e atualmente trabalham num quinto título. As garotas, que concluíram o primeiro livro, O Diário de Uma Adolescente Mascarada, aos 15 anos, contam que a rotina de um jovem escritor tem horários apertados, mas é possível conciliar todas as tarefas se organizando e listando prioridades. “É bem agitado e cansativo, mas não dá para ficar inventando desculpa para não escrever. Nós trabalhamos, fazemos faculdade, cuidamos de um blog, vamos para a academia, escrevemos e ainda temos tempo de sair com nossos amigos”, afirma Monique.
O papel da internet
O nicho editorial feito para e por adolescentes vem crescendo – e impressionando – cada vez mais. Em 2013, o segmento juvenil foi o que teve maior aumento percentual nas vendas em relação a 2012, com um salto de 24%, segundo a empresa de pesquisa de mercado GfK. Entre as novas estrelas do gênero está a blogueira Bruna Vieira, de 19 anos, famosa entre o público jovem por ser criadora da página Depois dos Quinze. Com uma compilação dos melhores textos do blog e seu primeiro romance, De Volta aos Quinze, ambos publicados pela Editora Gutenberg entre 2012 e 2013, a mineira alcançou a expressiva marca de 60 mil exemplares vendidos no fim do ano passado, graças à visibilidade alcançada através da internet.
Espaços online aparecem como uma vitrine democrática para escritores. No blog que carrega o nome de sua trilogia, Elfos Urbanos, Eduarda Kiame posta crônicas e pequenos textos de opinião, além de estabelecer uma proximidade com seu público. “Tenho um retorno e um contato muito legal com os leitores via internet”, conta. Já para as irmãs Sperandio, que mantém o blog Gêmeas Escritoras, a web representa muito mais do que um canal de comunicação com os fãs. Mônica e Monique, que começaram a escrever aos 14 anos, deram o pontapé inicial da carreira no mundo virtual através da postagem de fanfics, histórias alternativas baseadas em personagens de livros famosos como, por exemplo, a saga Harry Potter. “Fanfics são uma ótima base para quem quer começar porque além de treinar a escrita, tornam possível receber um feedback dos leitores”, explica Mônica.
Mônica e Monique Sperandio lançam "Sete Vidas", romance mais famoso da carreira (Foto: divulgação) |
Início da carreira
Segundo o último levantamento da Câmara Brasileira do Livro, o Brasil tem apenas 750 editoras de livros comerciais ativas. Nesse cenário, encontrar um editor pode acabar se transformando numa tarefa árdua e exaustiva. Para Monique Sperandio, essa é a parte mais difícil do processo. A irmã, Mônica, complementa: “É preciso pesquisar bastante antes de enviar a sua obra para qualquer editora. É necessário ter em mente que você não está prestando um favor a eles. Não é uma brincadeira, é um negócio em que ambos os lados têm que cumprir prazos. Isso serve para qualquer idade”.
Encontrar uma editora confiável para enviar um manuscrito é apenas a primeira etapa. Nas maiores empresas do ramo, é comum haver uma saturação de originais. A lista de espera faz com que cada trabalho demore muito tempo para ser avaliado. A assistente editorial do Grupo Autêntica, Carolina Christo, 23, explica que é mais fácil contratar um agente literário para cuidar do envio do manuscrito do que fazer isso por conta própria: “O agente é uma pessoa com contatos no mercado editorial e que funciona como ponte entre o autor e a editora. Se esse profissional gostar do texto, se dispõe a encontrar uma editora e a cuidar da carreira do escritor”. Na internet, é possível encontrar listas de agentes nacionais e internacionais. Porém, é importante fazer uma pesquisa antes de assinar o contrato. Checar a credencial e conversar com outros agenciados são boas dicas para garantir a segurança e a integridade do adolescente.
Christo trabalha para um conglomerado de quatro editoras, entre elas a Gutenberg, de Bruna Vieira. Para adolescentes aspirantes a escritores, ela recomenda que, antes de procurar um agente ou uma editora, os jovens autores busquem um grupo de leitores beta, isto é, que não possuam vínculo emocional com o autor do texto. Em fóruns como o do site Escreva seu livro, é possível encontrar internautas dispostos a ler novos escritos sem cobrar nada por isso.
Aos jovens que gostariam de escrever, o jornalista e escritor Nelson Rodrigues dava um conselho intragável para a apressada geração Y: “Envelheçam depressa”. A dica de Mônica Sperandio, um pouco mais otimista, vai na contramão: “Se não der certo com uma editora, parte para outra. Tem que ter garra para continuar e sempre manter em mente que o melhor está por vir”.
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