segunda-feira, 12 de maio de 2014

Edalina, a mulher sem sobrenome

Uma paranaense que não tem sobrenome. É possível? Acontece que, quando passou a existir para o mundo, Edalina de Lourdes ficou com a identidade pela metade. Mas isso não tem lhe causado problemas

Reportagem Dayane Farinacio

Edalina de Lourdes e ponto final. A influência francesa do nome está lá, e a homenagem à Nossa Senhora também, mas o sobrenome, não. A aposentada de 65 anos, mãe de três filhos, que hoje mora na Cidade Industrial, região da periferia de Curitiba, é um desses casos de erro de registro de nascimento comuns antigamente, especialmente em cidades do interior. A mulher sem sobrenome vive como qualquer outra pessoa e convive com mesmos vizinhos que a conhecem como Lourdes, há mais de 30 anos. Depois de passar a vida toda trabalhando, agora ela aproveita a aposentadoria para dançar e viajar com as amigas do clube da terceira idade em que participa, sem problemas ou preocupações pela falta de sobrenome.

A história, contada pela “vítima” da omissão do nome de família, começou quando seu pai, Salvador dos Santos Cordeiro, que morava com a mulher e seis filhos em São Jerônimo da Serra, norte do Paraná, conseguiu um emprego no Departamento de Estradas e Rodagens (DER – PR) e foi obrigado a fazer a certidão de nascimento dos filhos, que não tinham nenhum documento. Na ocasião, registrou todos juntos, para dar menos trabalho. Na vez da filha caçula, Edalina, que já tinha um ano de idade, Cordeiro – que assim como a filha mais nova, tinha problemas com a grafia do nome  – se esqueceu de citar o sobrenome da menina, e o escrivão, por sua vez, não perguntou. No registro, ficou então, apenas, Edalina de Lourdes.

“A gente do mato não entendia dessas coisas, e meu pai registrou todo mundo junto, o que deve ter confundido a cabeça dele. O escrivão, que era estudado, deveria ter avisado sobre a falta do sobrenome, como teriam feito hoje”, supõe Lourdes.

Lourdes e seu RG com sobrenome (Foto: Dayane Farinacio)

O vai e vem da vida


Em 1969, Lourdes se casou. A ideologia hippie do amor livre estava no auge, mas casar com Sebastião, primo de primeiro grau, foi só um imperativo da vida – e deu a ela um sobrenome: Rolim.

Na prática, porém, a inclusão não teve muito impacto, já que numa cidade pequena e rural como São Jerônimo da Serra todos se conhecem e as compras ainda são feitas na base da confiança. “Na época, a gente não ligava muito para essas coisas. Hoje, todo mundo me pergunta por que eu não tenho sobrenome, mas nunca tive problema com isso. Quando preciso comprar alguma coisa, por exemplo, é só explicar a situação que as pessoas entendem e compro normalmente”, explica Lourdes.

Sebastião Rolim foi embora anos depois e Edalina voltou a ser só “de Lourdes”. Ela não quis de jeito nenhum manter o nome do ex-marido, nem conseguiu colocar o nome do pai, depois de tanto tempo e de toda a burocracia. “Eu, que já estava em Curitiba nessa época, voltei pra São Jerônimo da Serra para ver se dava pra colocar o nome do meu pai, mas me disseram que não tinha jeito, a não ser que mandasse todos os papéis para Brasília, aí desisti”. Para quem tinha passado a vida toda sem sobrenome, não fazia muita diferença a presença de um a essa altura da vida.

O caso de Lourdes, de tão incomum, sequer é contemplado pela Justiça. Como regra geral, hoje é perfeitamente possível incluir um sobrenome, desde que seja contratado um advogado que peça a correção do registro civil, com inclusão de pelo menos um sobrenome. Com essa etapa cumprida, Lourdes precisaria mudar todos os documentos para deixa-los com o “novo” nome.

O ex-marido de Lourdes, por sorte, deixou em casa a certidão de casamento, único documento que permitiu que os filhos do casal, Otávio e Sonia, fossem registrados pela mãe com sobrenome completo. 
“Não fosse isso, além de ficarem sem pai, iam ficar sem sobrenome também”. Com o filho mais novo, Fernando, de outro relacionamento, Lourdes teve menos trabalho. O pai assumiu e deu um nome completo ao menino.

(Des)preocupações

Mesmo trabalhando em dois empregos para dar conta da casa, dos três filhos e da mãe, que morava com ela, e com todo o preconceito que enfrentou por ser desquitada – nos anos 70, quando Lourdes se separou oficialmente, essa situação era tabu - ela não esqueceu a beleza da vida – e nem a beleza se esqueceu dela. Os cabelos pretos e ondulados, além da pele morena que Lourdes herdou dos antepassados indígenas, mais tarde encantariam Ubaldo Topa, seu “namorido” há 20 anos.

Lourdes nunca mais se casou perante a justiça, e nem quis. Nunca mais pegou sobrenome de marido ou companheiro nenhum (“Deus me livre!”), e nem mexeu mais nisso. Hoje, é a mulher sem sobrenome graças à justiça, mas não se importa e nem tem medo.  Lourdes acredita que se um dia os filhos tiverem dificuldade de comprovar a maternidade - já que no documento de Sonia, Otávio e Fernando o nome de Lourdes ainda é o de casada – vai dar tudo certo, já que terão todos os documentos. “Quando eu tiver que passar minha herança, vai ter a certidão de casamento para eles [os filhos] comprovarem tudo”.

Lourdes vai para a ginástica da terceira idade e para os bailes nas casas de show com as amigas toda semana e apresenta na bilheteria o registro civil de quando era casada. Ninguém desconfia de nada.

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