Logradouro de comércio, a ruazinha no centro antigo de Curitiba já encarou vários tipos de varejo. Hoje passa por
transformação que pode mudar sua fama de rua de lojas de móveis usados
Amanda Pupo
Algo na Riachuelo, rua do
centro histórico de Curitiba, não condiz com a imagem que se tem na cabeça de quem
dificilmente passa lá. O colorido não está mais só nas paredes vivas típicas
dos prédios antigos, mas instalou-se nos móveis que
abarrotam lojas do local. Quem hoje busca pela “Riachuelo dos móveis usados”
não encontra mais a cara escura e pálida das mobílias antigas e se surpreende
com a moda colorida do mobiliário vendido por lá. Mas, além dos móveis,
muita coisa mudou na Riachuelo.
Pilhas de móveis coloridos, no estilo retrô, substituem as escuras mobílias usadas (crédito/foto: Amanda Pupo)
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Apresentada pelos historiadores e urbanistas como a primeira
rua da hoje capital do Paraná, já foi chamada de Lisboa, Rua dos Veados, Rua do
Campo e Rua da Carioca. Já abrigou comerciantes portugueses e judeus, foi ponto de referência para entrega de objetos
perdidos, escravos fugidos, venda de ingresso para circos e leilões de fazenda,
joias, relógios, calçados, armarinhos, botequins e muitas casas de secos e
molhados.
Foi no final de 1871 que a rua ganhou o
nome de Riachuelo, e há cerca de 25 anos acolhe as lojas de móveis populares e
usados. No início desta nova empreitada só existiam as mobílias usadas, com
preços muito atraentes para os moradores recém-chegados à capital. “As pessoas
chegavam a Curitiba, do Nordeste, de São Paulo, e no outro dia já estavam na
Riachuelo porque descobriam onde comprar móveis por preços acessíveis”, afirma
Amarildo Mendes, dono da Porto Rico Móveis, há dez anos na Riachuelo. Hoje, o
lojista lamenta a tendência de rejeição aos móveis usados, que fizeram as lojas
substituírem seu mobiliário. Num primeiro olhar, há quem pense que o mobiliário
é reformado, por causa da aparência retrô, mas eles são novíssimos. Hoje, a
loja de Mendes é repleta de mobílias novas, sem nenhuma história, em um leque
enorme de cores, e que, segundo ele, vieram direto da mídia para importunar a
ruazinha histórica. “É tudo modismo. É só olhar a casa do Big Brother e das
novelas”.
O Palácio Riachuelo já foi hotel, pensão, ponto de prostituição e venda de drogas. Hoje só é ocupado pelo ponto comercial (crédito/foto: Amanda Pupo). |
Mas, sendo uma rua destinada ao comércio
desde suas origens, a sina da Riachuelo é mesmo mudar. Ainda que contrariado, o
comerciante aceita o destino incerto dos móveis usados. “Na verdade, lojista
sempre têm que estar correndo atrás de coisas novas. Não tem o que fazer”,
compreende.
O destino das velharias não é tão incerto
assim. A Treze de Maio, rua que cruza a Riachuelo, ainda guarda estes objetos
em suas inúmeras lojas. Enquanto a sua vizinha quis renovar-se, a antiga rua da
Abolição continuou recebendo a mobília já usada. E ainda tem o mérito em
funcionar como o cruzamento que divide a Riachuelo com mobília à la Big Brother do pedacinho da rua que
ainda conserva somente os móveis rejeitados. Há, aproximadamente, 35 lojas na
Riachuelo, mas aquelas fiéis aos velhos
tempos totalizam, atualmente, apenas cinco.
Comerciante há 14 anos no local, Maribel
Matos conta que a moda colorida chegou já há algum tempo. Ela fala em cerca de
cinco anos, e ainda se envaidece do mérito de
ter trazido os móveis diferentes para a Riachuelo. “Nós compramos estes
móveis coloridos de um produtor. Em alguns dias, as outras lojas já haviam
copiado a tendência, que acabou ficando”, registra.
Quem passa pela rua até se confunde. As
lojas repletas do mesmo não se diferenciam mais. Não há mais
móveis únicos— característica daqueles usados originais —, e a competição entre
os estabelecimentos ficou acirrada. Tentando fugir da tendência e da
concorrência, Ari Prudente, proprietário da loja A Arca Móveis, na Riachuelo há
15 anos, investe só nos móveis antigos. E enfatiza: “Antigo é diferente de
usado. Os antigos têm mais de 50 anos, e, mesmo sendo usados, têm o valor bem
alto por serem peças únicas e feitas de materiais nobres”. Enquanto fala, o
comerciante mostra o jogo de mesa e cadeiras com os pés em formato de patas, que está vendendo por R$ 10.900, 00.
Ari Prudente é um dos únicos que optou pelos objetos antigos. Além dos móveis, vende aparelhos de televisão e rádio (crédito/foto: Amanda Pupo) |
A competição ferrenha entre os comerciantes
parece ter se transformado em uma das faces da Riachuelo. Por causa dela, uma
tentativa de associação entre os lojistas, há alguns anos, acabou
mal sucedida. A desunião entre eles resulta em distorções, como o fato
de um mesmo móvel ter preços díspares em lojas muito próximas. O leilão também
virou típico na rua — quem chega para vender móveis novos aparece na porta de
cada loja procurando por quem lhe dê um valor mais alto.
Com a concorrência tão presente, as
vitrines ganharam um novo status em uma rua em que antes era preciso garimpar.
Os olhos dos passantes, mesmo com pressa, não resistem às cores vivas. Isso mostra que não só as mercadorias, mas o perfil do consumidor da
Riachuelo também mudou. Hoje, qualquer um se aventura a comprar na rua, e
não só quem está à procura de preços mais acessíveis.
Assim, a Riachuelo passou por mais uma de
suas transformações. Empurrou o usado para a rua debaixo
e se encheu do que é novo. Daqui a algum tempo, é possível que as lojas das
mobílias velhas sejam apenas uma memória distante para a ruazinha.
A rua nem sempre se chamou assim. Já atendeu por Rua Lisboa, Rua dos Veados, Rua do Campo e Rua da Carioca (crédito/foto: Amanda Pupo)
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