segunda-feira, 2 de junho de 2014

Deficiente visual ensina a aceitar os recomeços e procurar novos caminhos

Cega desde os treze anos, Neusa Braga criou com perseverança filhas e neto, em meio a dois empregos e muitos contratempos
Reportagem: Julia Kreuz

Neusa Marina Braga é deficiente visual há quase 40 anos. Aos cinco anos de idade, morando em um sítio em Cascavel, oeste do Paraná, bateu a região entre seus dois olhos e sofreu um descolamento de retina. Aos treze, perdeu completamente a visão do dia para a noite, em decorrência desse acidente. Desde então, sua vida tem sido marcada por recomeços, e pela necessidade iminente de encontrar novos caminhos para se viver até mesmo os momentos mais simples.
                Sempre encarou a vida com muito bom humor, e se orgulha em dizer que nada faz com que ela saia do sério. Neusa vive seus dias com muita paciência, e realiza todas as atividades diárias por conta própria. Brinca com sua deficiência como se fosse qualquer outro assunto. “Eu gosto de casa colorida”, afirma. Quando lembrada pelos colegas de trabalho que para ela isso não deveria fazer diferença, ela apenas ri, e reforça que casa bonita é casa cheia de cores.
Neusa Marina Braga em sua casa, que ela se orgulha em manter sempre bem arrumada e cheia de enfeites, e onde mora com o neto no Boqueirão
Foto: Juliana Nogás
                Ainda muito nova, Neusa precisou deixar a maioria dos seus sonhos de lado, sendo o maior deles a esperança de estudar para se tornar médica. Os estudos de maneira geral precisaram ser interrompidos, pois não havia estrutura na cidade do interior do Paraná para acolher uma deficiente visual. Apesar da esperançosa vinda da então menina e sua mãe para Curitiba atrás da cura, os médicos da capital rapidamente descartaram essa possibilidade. Na cidade, porém, ela foi apresentada ao Instituto Paranaense de Cegos (IPC), onde conseguiu voltar a estudar até completar o Ensino Médio. Alguns anos depois, formou-se como massoterapeuta pelas Faculdades Integradas Espírita e começou a trabalhar como telefonista na Associação de Pais e Amigos Excepcionais (APAE) de São José dos Pinhais.
                No IPC ela conheceu, também, seu atual ex-marido, que apresentava deficiências visuais como ela. Casou-se após dois anos de namoro, e teve três filhas no intervalo de três anos. Aos 14 anos, sua filha mais velha engravidou. Assustada com a ideia de ser mãe, a garota deixou as responsabilidades de seu filho para Neusa. “Eles eram duas crianças, então fugiram da responsabilidade. Tive de ser mãe e avó para o meu neto”, narra a massoterapeuta. A dupla função causou complicações no casamento, pois o marido não concordava com a ideia de criar a criança, e pouco depois do nascimento, veio o divórcio.
                A vinda do neto trouxe uma nova fase na vida de Neusa. Além das novas necessidades e preocupações de se ter um bebê em casa, a avó, aos poucos, notou que a criança apresentava deficiência auditiva: “Comecei a perceber que nada incomodava o sono dele. Podíamos fazer o barulho que fosse, ele só acordava na hora que o sono acabasse”, explica. A descoberta, efeito de uma rubéola contraída pela mãe da criança, veio quando o menino tinha pouco mais de um ano. “Mais uma vez, tive de recomeçar. Ao longo dos anos, fomos aprendendo a nos comunicar, eu cega e ele sem ouvir. Mas admito que foi um momento em que eu pensei que não daria conta”. A mãe-avó aprendeu a Língua Brasileira de Sinais (Libras), unicamente por meio do tato, enquanto o neto desenvolveu técnicas de leitura labial. Em meio a muitas dificuldades, eles foram aprendendo a se comunicar. Atualmente, o menino tem 13 anos e frequenta a escola regular. Embora sua mãe tenha, ao longo do tempo, assumido muitas responsabilidades quanto a ele, o garoto optou por morar com a avó até hoje. Hoje, aos 50 anos de idade, a massoterapeuta e o neto contam somente com a companhia um do outro na casa em que moram, no Alto Boqueirão.
                Sua vida precisou ser rearrumada tantas vezes ao longo dos anos, que as pessoas que convivem com ela têm completa admiração pela mulher. Mas, ela garante não passar grandes dificuldades em sua vida diária, e até aponta: “É fácil ser deficiente, as pessoas acham que é difícil, mas não é”. Ela anda de ônibus sozinha, vai ao banco e mantém sua casa em ordem. Sua filosofia de vida é a pró-atividade. Segundo ela, não se pode ter vergonha de pedir ajuda quando se encontram obstáculos impossíveis de serem vencidos por conta própria. Além disso, ressalta a importância da auto aceitação para o deficiente. “Na vida, nós não podemos nos apegar a aquilo que perdemos. Devemos nos apegar nas coisas que nos sobram”. E é dessa forma, sempre com paciência e bom humor, que ela enfrenta as dificuldades da vida, muito maiores para ela do que para o resto do mundo, porém encaradas de frente, com muita coragem.

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