domingo, 6 de abril de 2014

Universidades não estão preparadas para estudantes superdotados

Instituições de ensino ignoram alunos com altas habilidades e não possuem nenhuma estratégia de acompanhamento e aprimoramento de formação
Reportagem Débora Avadore Souza Gomes

No início de abril, a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou seu ranking anual de desempenho escolar. O Brasil ficou em 38º lugar entre os 44 países que se submeteram ao teste. O relatório apontou que apenas 1,8% dos alunos brasileiros conseguiu solucionar problemas matemáticos complexos.

Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 10 milhões de brasileiros possuem algum tipo de superdotação ou alta habilidade (a nomenclatura adequada ainda é razão de debate). Destes, 2,5 milhões frequentam os bancos das escolas e universidades. No Paraná, a Secretaria de Educação (Seed-PR) acredita que haja mais de 40 mil estudantes com altas habilidades. Apenas 526 recebem acompanhamento formal nas escolas públicas e privadas.

A Mestre em Educação Denise Maria de Matos Pereira Lima acredita que esta disparidade não ocorre apenas pela deficiência clássica de investimento em educação no país. “Soa estranho, mas nossos professores são incapazes de identificar estudantes superdotados. E se a demanda não é identificada, não existe investimento”, explica a pedagoga, que afirma que a situação é pior no ensino superior. “Apesar de insuficientes, existem iniciativas nas esferas pública e privada para apoiar estudantes do ensino fundamental e médio, mas, uma vez que o jovem chega ao ensino superior, todo esse suporte acaba, parece que o estudante, quando entra na faculdade, deixa de ser um superdotado e passa a ser um aluno comum”, lamenta a educadora.
Izabella Romanetto, supervisora pedagógica do Centro de Inclusão da Universidade Positivo (UP), conta que, atualmente, a instituição não conta com nenhum programa de acompanhamento de superdotados. “Ainda precisamos definir estratégias para mapear estes alunos em nossa universidade. Tenho certeza absoluta que temos estudantes nesta situação e queremos pesquisar meios para apoiá-los”, afirma.

Na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), também não existe nenhum tipo de acompanhamento para os superdotados. “Temos esse público, mas nenhum que precise de acompanhamento contínuo do nosso núcleo”, justifica o psicólogo Allan Martins Mohr, coordenador do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne).

Ao pesquisar a situação em outras instituições universitárias, a reportagem não obteve respostas aos e-mails enviados à assessoria de imprensa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e nem aos telefonemas. Os técnicos administrativos da Universidade Federal do Paraná (UFPR) não foram encontrados devido à greve dos servidores federais.

Para Pereira Lima, com este tipo de postura omissa o ensino superior desperdiça a oportunidade de aproveitar grandes talentos, que poderiam alavancar o nível do ensino, da pesquisa e da extensão universitária. “É um erro enorme achar que o estudante com altas habilidades não precisa de acompanhamento. Estes estudantes tendem a se entediar mais facilmente com a sala de aula, podem desenvolver problemas de relacionamento e desistir dos estudos. Há casos de estudantes superdotados que ficam vagando por vários cursos do ensino superior sem concluir nenhum”, declara a educadora.

Este foi o caso de Alice Aires, 23, estudante do 3º período de Letras da UFPR. “Meu primeiro vestibular foi para Engenharia Mecânica na UTFPR, passei em 10º lugar, mas eu estava reprovada no ensino médio e não podia assumir a vaga. Ainda bem que não fiz, sou péssima em matemática”, ironiza a estudante, que ainda passou por outros dois cursos.

Alice descobriu ser superdotada numa aposta com o ex-namorado. “Ele me obrigou a fazer um teste da Mensa [Sociedade que reúne pessoas com altos quocientes de inteligência]. Fiquei muito surpresa”. Segundo a estudante, ela foi uma ótima aluna e quase ganhou uma bolsa para estudar em uma escola particular. “Mas isso foi até 13 anos. Depois virei uma peste, a coordenadora do meu colégio achava que eu era uma traficante”, se lembra, rindo. Depois, voltando a seriedade, esclarece: “Foi muito difícil, briguei com a minha família, tive que me virar sem apoio algum, tive depressão”.

A trajetória errante de Alice terminou em 2012, quando começou o curso de Letras. “Acho que nenhum professor desconfia e eu não fui tratada como alguém especial por isso e não me sinto melhor que os outros”, afirma a estudante, que também acha improvável avançar períodos e terminar o curso em menos de quatro anos. “Não tem QI que supere a burocracia da UFPR”.

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